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Pensar Enfermagem / v.27 n.01 / abril 2023
DOI: 10.56732/pensarenf.v27i1.212
Artigo Original Quantitativo
Como citar este artigo: Carvalho J, Aguiar P. Notificação de eventos adversos pelos enfermeiros para maior
segurança em enfermagem pediátrica. Pensar Enf [Internet]. 2023 Abr; 27(1):32-38. Available
from: https://doi.org/10.56732/pensarenf.v27i1.212
Notificação de eventos adversos pelos enfermeiros
para maior seguraa em enfermagem pediátrica
Resumo
Introdução
Os Eventos Adversos mantêm-se um desafio atual na prestação de cuidados de saúde, sendo
definidos como incidentes que resultaram em dano desnecessário para o doente. A escolha
da população pediátrica como alvo de estudo assenta em determinadas caraterísticas que a
tornam das mais suscetíveis a Eventos Adversos. A Notificação destes surge como ação
chave da estratégia para a diminuição da sua ocorrência, enquanto os Enfermeiros
constituem elementos essenciais ao processo. O objetivo final é a Segurança do Doente, ou
seja, a redução para um mínimo aceitável do risco de danos desnecessários relacionados com
os cuidados de saúde.
Objetivo
Descrever a Adesão dos Enfermeiros à Notificação de Eventos Adversos e os Fatores
Associados a essa Adesão, em contexto pediátrico.
Métodos
Apresentamos um Estudo Observacional Transversal, com base num inquérito por
questionário conduzido no Departamento de Pediatria de um hospital. O estudo contou
com 88 variáveis categóricas, relacionadas com a caracterização da amostra e a perceção dos
participantes sobre os Eventos Adversos, Erros, Incidentes e Segurança do Doente. Os
dados foram trabalhados através de análise univariável, bivariável e de correlações de
variáveis.
Resultados
Um total de 69% dos enfermeiros não notificaram qualquer Evento Adverso no último ano.
Foram notificados com maior frequência os Eventos com consequências mais graves para
o doente (58%) e os relacionados com disfunções organizativas da instituição (74-90%). Os
fatores facilitadores à ocorrência de Eventos Adversos englobam a carência de recursos
humanos (19%), falhas de comunicação e sobrecarga horária (17%), sendo a principal
barreira à Notificação o esquecimento quando se verifica maior carga de trabalho (63%).
Conclusão
Ao investigar a adesão dos enfermeiros à notificação, verificámos que a mesma é baixa, o
que destacou a necessidade de investir na Cultura de Segurança da instituição,
consciencializando os profissionais de saúde para a importância do seu papel na melhoria
da Segurança do Doente. Afigura-se-nos fundamental integrar a Notificação na prática diária
dos profissionais, com recurso a sensibilização contínua, reforço das equipas
multidisciplinares, investimento na comunicação e alívio da carga horária, podendo ser
facilitador de melhoria.
Palavras-chave
Segurança do Paciente; Gestão do Risco; Melhoria de Qualidade; Evento Adverso; Erro
Médico; Enfermagem Pediátrica.
Joana Isabel Cordeiro e Carvalho1
orcid.org/0000-0002-4249-7356
Pedro Aguiar2
orcid.org/0000-0002-0074-7732
1Mestrado. Unidade de Neonatologia. Departamento
de Pediatria. Hospital de Santa Maria. Centro
Hospitalar Universitário Lisboa Norte.
2Doutoramento. Escola Nacional de Saúde Pública -
Universidade Nova de Lisboa Comprehensive Health
Research Centre - Universidade Nova de Lisboa.
Public Health Research Centre - Universidade Nova.
Autor de correspondência
Joana Carvalho
E-mail: joanaisabelecarvalho@gmail.com
Recebido: 13.11.2022
Aceite: 16.03.2023
Pensar Enfermagem / v.27 n.01 / abril 2023 | 33
DOI: 10.56732/pensarenf.v27i1.212
Artigo Original Quantitativo
Introdução
Os Eventos Adversos (EA) podem ser definidos como
incidentes que resultaram em dano desnecessário para o
doente,1 constituindo um grave problema de saúde pública,2
podendo ocorrer em contexto hospitalar, cuidados de saúde
primários ou de longa duração.3 Independentemente do
contexto em que ocorrem, afetam os doentes e a suas
famílias, apresentando consequências a nível profissional,
organizacional, económico e social, levando à falta de
confiança nos profissionais de saúde e nas organizações.3-4
A preocupação com questões relacionadas com a Segurança
do Doente não é recentes e remonta mais de 150 anos,
com os primeiros registos a surgir com Florence Nightingale
na Guerra da Crimeia.5 Desde então vários intervenientes
procuraram promover a Melhoria da Qualidade e a
Segurança do Doente, destacando-se Ernest Codman,
Avedis Donabedian e o Institute of Medicine (IOM).5-10 Um
caminho com o mesmo propósito: uma prestação de
cuidados de saúde sem danos desnecessários para os
utentes, atempada e evitando demoras, baseada na evidência
e boas práticas, reduzindo o desperdício, que fosse
transversal a todos os utentes sem discriminação e com
resposta às suas necessidades individuais específicas.11
O avanço científico-tecnológico necessário para tal, e que se
tem verificado, surge com duplo significado. Por um lado,
permitiu avanços significativos na Medicina, por outro
originou situações potencialmente geradoras de erros e EA,
tornando necessário implementar estratégias que evitem e
minimizem estas situações.
Surge a Notificação de situações potencialmente perigosas
para o doente, de Near Misses, erros e de EA como estratégia
eficaz na garantia da Segurança do Doente.11-12 Esta permite
consciencializar para o impacto negativo que um evento
teve no doente, para os fatores que originaram esse evento
e para as estratégias que podem ser identificadas e adotadas
para o evitar.14 Os dados recolhidos através da notificação
permitem construir bases de dados para análise futura pela
equipa de Gestão do Risco, bem como a partilha de
informação com a equipa multidisciplinar e restante
instituição. É este processo que permite identificar os
fatores que originam determinados eventos e desenvolver
estratégias específicas para os prevenir, assim como a outras
situações semelhantes12-13. É uma estratégia que contribui
diretamente para a construção de uma Cultura de Segurança
na instituição, que deve ter por base a confiança e partilha
de experiências, sem receio da punição, e as diretrizes para a
Segurança do Doente instituídas.10,15-16
O aumento da consciencialização dos profissionais de saúde
para a necessidade e a importância da notificação de eventos
tem aumentado, no entanto a mesma mantém-se abaixo do
esperado.17-18 Esta baixa adesão parece ser multifatorial,
incluindo o medo da culpabilização, de sanções
administrativas e legais, a resistência à burocracia, a perceção
de que a notificação não têm impacto na qualidade dos
cuidados, a falta de suporte organizacional, o feedback
tardio ou inadequado e a falta de conhecimento acerca do
Sistema de Notificação de Incidentes e Eventos Adversos
(SNIEA) implementado.17,19-21
Adicionalmente, a falta de recursos humanos na saúde,
médicos e enfermeiros parece também ter influência. A
sobrecarga horária e funcional dos profissionais leva à
necessidade de reorganziar os cuidados, priorizando o
doente e a rápida resolução de situações potencialmente
perigosas ou erros, e deixando para segundo plano questões
burocráticas como a sua notificação. Sabe-se que este
comportamento não promove a Segurança do Doente nem
a Qualidade dos Cuidados, uma vez que não permite a
antecipação de situações potencialmente perigosas para o
doente nem a compreensão do contexto em que os erros
ocorreram, não sendo possível a sua prevenção.
A severidade do evento, o tipo de incidente e o próprio
profissional parecem afetar a adesão à notificação.20 Os
eventos com maior severidade, nomeadamente os que
incluem a morte (dano trágico), incapacidade (dano
moderado) e dano severo para o doente, são notificados
com maior frequência quando comparados com situações
de risco potencial ou eventos sem dano.22-24 Os enfermeiros
são os profissionais de saúde apontados como essenciais
para a notificaçao, não por se encontrarem na linha da
frente da prestação de cuidados, mas por passarem mais
tempo com os doentes. A evidência científica corrobora esta
ideia e demonstra que os enfermeiros têm três vezes mais
probabilidade de notificar um evento quando comparados
com os médicos.20
É unanimemente reconhecido que a população pediátrica
apresenta maior vulnerabilidade para a ocorrência de EA.25
A sua condição de doença, aliada às suas caraterísticas
intrínsecas, a necessidade de cuidados de saúde complexos,
em diferentes contextos, com ltiplos intervenientes, e
durante os quais é possivel identificar oportunidades para as
falhas na comunicação, são fatores potenciadores da
ocorrência de situações que representem perigo para o
doente.26
A literatura descreve alguns dos Erros que caraterizam esta
população: erros de medicação e alimentação parentérica
total; erros de cuidados respiratórios, ressuscitação e
ventilação; erros de procedimentos invasivos e Infeções
Associadas aos Cuidados de Saúde; erros de identificação de
doentes; erros de diagnóstico;10 erros relacionados com o
leite materno27-28 e Infeções Associadas aos Cuidados de
Saúde.29 Os erros relacionados com a medicação parecem
ser os mais prevalentes e notificados nos diferentes
contextos de saúde.10,15,30-32
Também a adaptação de diretrizes clínicas à população
pediátrica, a utilização de dupla verificação,33 de trigger tools,9
e de sistemas de código de barras,30-31 entre outros, surgem
em associação com a notificação na prevenção os erros e
EA.
De forma a descrever a Adesão dos Enfermeiros à
Notifcação de Eventos Adversos e os fatores associados em
contexto pediátrico, foi elaborado um estudo de
investigação. Os seus resultados confirmaram o interesse em
aprofundar o problema e as consequências dos EA, a
necessidade de continuar a investir na notificação e o papel
fundamental dos Enfermeiros neste processo.
34 | Carvalho, J.
Artigo Original Quantitativo
Material e Métodos
Com o objetivo de descrever a Adesão dos Enfermeiros à
Notificação de Eventos Adversos e os fatores associados,
no departamento de Pediatria de um hospital central em
Lisboa, foi elaborado um estudo observacional, transversal
de natureza quantitativa.
A população do estudo foram os enfermeiros a exercer
funções nos serviços do departamento de Pediatria,
incluindo os enfermeiros, enfermeiros especialistas e
enfermeiros gestores, num total de 192 elementos. O
recrutamento dos participantes foi efetuado através de
amostragem de conviniência, sendo constituída por todos
os enfermeiros que se encontravam a exercer funções no
período que decorreu de Novembro 2019 a Janeiro 2020.
Um total de 102 enfermeiros aceitaram participar no
estudo, através do preenchimento do questionário.
A colheita de dados ocorreu através do inquérito por
questionário de Paula Bruno (2010), publicado em “Registo
de Incidentes e Eventos Adversos: Implicações Jurídicas da
Implementação em Portugal”, após autorização concedida
pela autora. O questionário incluiu 13 questões fechadas,
distribuidas em dois grupos: caraterização da amostra
(questões 1, 2, 3, 4 e 5) e perceção dos participantes sobre
a Notificação de EA, Erros, Incidentes e Segurança do
Doente (questões 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13). Foram
elaboradas pequenas adaptações ao questionário original,
de forma a adequar à população em estudo, não
desvirtuando as suas caraterísticas originais. O questionário
foi escolhido por avaliar a notificação de EA por
profissionais de saúde, permitindo responder ao objetivo
do estudo. Os questionários foram entregues às
enfermeiras gestoras de cada serviço que ficaram
responsáveis pela distribuição individual a cada enfermeiro,
sendo posteriormente recolhidos pelo investigador num
envelope selado e não marcado para proteger a privacidade
e confidencialidade dos participantes.
A análise dos dados realizou-se com recurso ao software
aplicativo Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão
26, com aproximadamente 88 variáveis categóricas. Foi
realizada análise univariável das variáveis categóricas em
estudo apresentando-se as tabelas de distribuição de
frequências (%). Efetuada a análise bivariável com
utilização do Teste Qui-Quadrado para comparação de
proporções, e a análise de correlações de variáveis ordinais
com utilização do Coeficiente de Correlação de Spearman.
O Teste Exato de Fisher foi utilizado em substituição do
Teste Qui-Quadrado para frequências esperadas baixas,
considerando um nível de significância de 5% nos testes de
hipóteses.
A investigação foi confidencial, garantindo-se o anonimato
dos dados durante todo o processo. A participação foi
voluntária (sem qualquer penalidade) e anónima. A cada
questionário foi anexada uma folha de rosto
correspondente ao consentimento informado que, de
forma a garantir o anonimato e confidencialidade da
informação e a identificação dos participantes, foi separado
do restante questionário e colocado num envelope isolado.
O processo de investigação iniciou-se com a formalização
dos pedidos, por escrito, a todas as entidades envolvidas:
autora do questionário, Director do Departamento de
Pediatria, Enfermeira Diretora e Comissão de Ética do
hospital, tendo sido obtidos todos os consentimentos
solicitados.
Resultados
Neste módulo apresentam-se os resultados obtidos,
representando a perceção dos Enfermeiros sobre as
questões colocadas.34
Tabela 1 Caraterísticas dos Enfermeiros em Pediatria na amostra
Categoria da variável
Contagem:
Frequência
absoluta
Percentagem:
Frequência
relativa
(n=)
Sexo
Feminino
96
94,1
(n=102)
Masculino
6
5,9
Grupo Etário
21 a 30 anos
33
32,4
(n=102)
31 a 40 anos
30
29,4
41 a 50 anos
17
16,7
51 a 60 anos
18
17,6
>60 anos
4
3,9
Anos de Trabalho
<1 ano
17
16,7
(n=102)
1 a 10 anos
25
24,5
10 a 20 anos
27
26,5
20 a 30 anos
23
22,5
30 a 40 anos
10
9,8
Funções
Enfermeiro
73
71,6
(n=102)
Enfermeiro Especialista
27
26,5
Enfermeiro Gestor
2
2,0
Pensar Enfermagem / v.27 n.01 / abril 2023 | 35
DOI: 10.56732/pensarenf.v27i1.212
Artigo Original Quantitativo
Tipologia Serviço
Ambulatório
19
18,6
(n=102)
Urgência e Cuidados Intensivos
64
62,7
Pediatria Médica
19
18,6
Conforme representado na tabela 1, a amostra é composta
maioritariamente por enfermeiras (94,1%), com idades entre
21 e 30 anos (32,4%). A maioria dos profissionais trabalha
na instituição entre 1 a 30 anos (37%), sendo a categoria dos
10 aos 20 anos mais prevalente, representando 26,5% da
amostra. A função desempenhada com maior peso é a de
enfermeiro (71,6%). Aproximadamente 62,7% dos
participantes exercem funções nos serviços de Urgência e de
Cuidados Intensivos, seguido dos serviços de Pediatria
Médica (18,6%) e de Ambulatório (16,7%).
Quando questionados sobre o SNIEA, cerca de 98% da
amostra reconhece que o hospital onde exerce funções tem
um sistema, embora apenas 59,8% refiram concordar com
o mesmo. Cerca de 93,1% da amostra tem conhecimento
que o hospital onde exerce funções participa em Programas
de Acreditação, nomeadamente o departamento de
Pediatria.
Dos 98% dos enfermeiros que reconhecem que o hospital
tem um SNIEA, cerca de 69% responderam não ter
notificado nenhum EA no ano transato e 31% referem ter
notificado pelo menos um. De acordo com a severidade, os
EA notificados com maior frequência foram os que
apresentam consequências mais graves para o cliente, como
dano trágico (58%) e dano moderado (33%). Os EA sem
dano para o cliente ou os Near Misses são raramente
notificados. O serviço com maior número de EA
notificados foi o de Urgência e Cuidados Intensivos (38%),
seguido da Pediatria Médica (21%) e Ambularório (18%).
Analisando a notificação de acordo com a severidade dos
EA e as caraterísticas dos enfermeiros da amostra (sexo,
grupo etário e função na instituição), conclui-se que não
parece haver diferença estatisticamente significativa entre a
frequência de notificação dos diferentes eventos e as
caraterísticas dos enfermeiros.
Quanto ao tipo de EA, verificou-se que os relacionados com
disfunções organizacionais da instituição ocorrem com
maior frequência: avaria ou defeito de material/dispositivos
médicos (89%), falta de material/roupa/equipamentos
(82,4%), falta de material clínico e equipamentos (77,5%),
disfunções do sistema informático (74,5%) e conflitos com
doente/família (73,5%). EA que ocorrem com frequência
significativa são erros de prescrição de produtos ou
fármacos (71,6%), erros de administração de produtos ou
fármacos (64,7%), prescrições incorretamente preenchidas
ou ilegíveis (65,7%), e as infeções associadas aos cuidados
de saúde (52,9%). Uma das questões permitiu analisar a
perceção da amostra relativamente aos EA que ocorrem e
aos que são notificados. De acordo com a perceção dos
enfermeiros verificou-se que os EAs com maior frequência
são os que têm maior percentagem de notificação.
De acordo com a perceção dos enfermeiros, a falta de
recursos humanos (19%), seguida das falhas de
comunicação e da sobrecarga horária (ambos com 17%), são
os principais fatores que contribuem para a ocorrência de
EA. Por seu lado, apontam o esquecimento quando
excesso de trabalho (63%) como a principal barreira à
Notificação.
Discussão
Os profissionais de saúde reconhecem a importância da
notificação de EA para a Segurança do Doente e Qualidade
dos Cuidados,17 bem como a necessidade de existir um
sistema local e nacional para a Notificação.24 Embora 98%
dos enfermeiros tenham conhecimento do sistema de
notificação do hospital, apenas cerca de 59,8% referem
concordar com o mesmo, o que se encontra em linha com
os resultados de outros estudos.24,35 Podemos questionar se
os enfermeiros compreendem o sistema e a sua adequada
utilização, quais EA devem notificar, como podem notificar
e como se desenvolve o processo de análise e feedback.
Cerca de 69% dos enfermeiros referiram não ter reportado
nenhum EA no ano transato, demonstrando uma taxa de
adesão à notificação baixa. No entanto, parece verificar-se
um aumento da consciencialização para a notificação,
quando compara a taxa do estudo (69%) com a notificação
a nível nacional em 2011 (80%).18 Mais recentemente, dados
da National Patient Safety Agency36 demonstram um
aumento na notificação de EA entre 2013 e 2015. A
melhoria observada, um pequeno passo no longo caminho
a percorrer, deve salvaguardar a necessidade de formação
dos profissionais, a elaboração de estratégias e normas
institucionais que permitam o crescimento de uma Cultura
de Segurança.
O nível de severidade dos EA parece ser um fator
preponderante na adesão à sua notificação. Os dados do
estudo indicam que os EA que resultam em dano trágico
(58%) e dano moderado (33%) são reportados com maior
frequência, quando comparados com eventos sem dano ou
situações de risco para o doente, como demonstrado em
estudos prévios.20,22-24
O privilegiar da notificação de eventos mais severos, ao
invés de notificar todas as situações, cria uma situação de
insificiência e ausência de dados reais sobre os EA que
ocorreram, restringindo a prevenção de situações
potencialment perigosas. A necessidade de notificar todos
os tipos de EA, mesmo dos que não tiveram impacto para o
doente, é imperativa para que o processo de aprendizagem
seja o mais útil possível e para as intervenções
implementadas na resolução das situações identificadas.12-
13,17
Os EA que ocorreram com maior frequência foram os
relacionados com as disfunções organizacionais da
instituição, correspondendo aos resultados obtidos por
Bruno24 e Martins.35 No entanto, a nível internacional, os
EA notificados com maior frequência são os relacionaods
com a terapêutica.10,15,30,32,38 Neste estudo, os erros
relacionados com a terapêutica apresentaram percentagens
de ocorrência significativas, nomeadamente erros de
36 | Carvalho, J.
Artigo Original Quantitativo
prescrição de produtos ou fármacos, erros de administração
de produtos ou fármacos e prescrições incorretamente
preenchidas ou ilegíveis. Por outro lado, de acordo com a
perceção dos enfermeiros, os EA que ocorreram com maior
frequência foram também os que apresentaram maior
percentagem de notificação.
A diferença nas percentagens de notificação de EA
detetadas entre os diferentes serviços pode resultar do facto
de a amostra ser maioritariamente composta por
enfermeiros do serviço de Urgência e Cuidados Intensivos
(62,7%) e/ou porque este é um dos serviços com maior
propensão para a ocorrência de EA.31
Os enfermeiros apontaram a falta de recursos humanos,
seguida das falhas de comunicação e sobrecarga horária,
como fatores facilitadores para a ocorrência de EA,
resultados que coincidem com a evidência. Esta é uma
situação recorrente na Saúde, na qual a falta de recursos
humanos é uma realidade,39 resultando na sobrecarga
horária e funcional dos profissionais de saúde.16,40
A comunicação é essencial para garantir a Segurança do
Doente e a Qualidade dos Cuidados, merecendo especial
atenção. A Direção Geral da Saúde41 recomenda uma
comunicaçao eficaz entre os profissionais, afirmando que a
mesma pode falhar, e referindo que 70% dos EA ocorre
durante os momentos de transição de cuidados. Os doentes
e família podem ser aliados dos profissionais na garantia de
uma comunicação eficaz e segura, uma vez que são eles
quem melhor conhece a situação clínica e tem oportunidade
para identificar falhas na comunicação nas passagens de
turno.10
De acordo com a perceção dos enfermeiros, o esquecimento
quando maior carga laboral é a principal razão para não
notificarem EA. As condições laborais levam à necessidade
de reorganizar o foco dos profissionais de saúde, centrando-
se no doente e na rápida resolução de situações inesperadas,
deixando a notificação de EA para segundo plano. Este
comportamento, mesmo que pareça o mais adequado no
momento, não favorece a Segurança do Doente nem a
Qualidade dos cuidados a longo prazo.
Neste contexto, torna-se essencial integrar a notificação de
EA, Erros, Near Misses e situações potencialmente perigosas
para o doente na prática diária dos profissionais de saúde.
Isto requer sensibilização contínua, reforço das equipas
multidisciplinares, melhoria da comunicação e alívio da
carga horária dos profissionais, bem como maior e melhor
disseminação e acessibilidade ao sistema de notificação da
instituição.
Após a realização deste estudo, preconiza-se, a nível
nacional, o desenvolvimento de políticas de saúde mais
específicas e detalhadas que promovam a notificação de EA,
de forma transversal, e enquadrante do caminho a seguir. A
nível de Gestão do Risco, deve ser incentivada a notificação
de EA e Near Misses por todos os profissionais com o intuito
de resolver as situações potencialmente perigosas
identificadas e prevenir futuros EA,12-13 quer para os
doentes quer para os próprios profissionais de saúde.
Por último, é crucial valorizar e investir na qualificação dos
profissionais na área da Gestão do Risco e Segurança do
Doente, na elaboração de diretrizes, bem como na
construção de equipas com experiência na análise de EA e
na identificação preventiva de possíveis falhas no sistema.
Para reduzir o erro em Enfermagem Pediátrica recomenda-
se a utilização de soluções pré-preparadas, fórmulas
adequadas à população pediátrica, de sistema de código de
barras aquando da administração de terapêutica ou
identificação de doentes, e o desenvolvimento de
protocolos.30-31 São também recomendadas a revisão pelos
pares/dupla verificação, melhoria da qualidade clínica e
educação, o treino dos profissionais através de simulação, e
a introdução de uma biblioteca de fármacos nas bombas
infusoras, com um alarme que soa quando a dose sai fora do
intervalo habitual.9 A utilização de prescrição eletrónica e
sistemas de dispensa terapêutica eletrónicos demonstram
uma diminuição significativa dos erros relacionados com a
terapêutica. A utilização de triger tools também parece ter um
impacto positivo na prevenção de EA pelo aumento da
deteção de erros em Pediatria.9
Este estudo procurou descrever a Adesão dos Enfermeiros
à Notificação de EA em Pediatria, baseado na perceção dos
enfermeiros sobre essa mesma notificação. Um futuro
estudo, com outras especificações, pode ajudar a clarificar
algumas das questões levantadas e permitir outras medidas
corretivas que facilitem a melhoria dos Sistemas de
Notificação de Incidentes e EA.
Conclusão
A evolução e o aumento da procura por cuidados de saúde
com o mínimo risco para o doente, apropriado às suas
caraterísticas e necessidades individuais, tornou-se o mote
para os cuidados a nível mundial. Neste contexto, e apesar
das estratégias para reduzir o risco e as consequências
negativas associadas aos cuidados de saúde, a ocorrência de
EA mantém-se uma realidade. A notificação surge como
uma destas estratégias. A notificação de todas as situações
potencialmente perigosas ou que levem a consequências
negativas, em particular para o doente, deve ser instituída de
forma a evitar a normalização e a aceitação do erro como
rotineiro, ou como decorrente da prática dos profissionais
de saúde.Os enfermeiros, enquanto prestadores de cuidados
na linha da frente, com um maior e mais próximo contacto
com o doente e família, tornam-se mais conscientes e
experientes no reconhecimento de situações potencialmente
perigosas e que culminem em erro ou EA, refletindo-se na
sua probabilidade de notificação. Se, por um lado, os
resultados obtidos apontam para a necessidade de promover
a Cultura de Segurança da instituição, tornando os
profissionais de saúde conscientes da importância do seu
papel, enquanto indivíduos e enquanto equipa
multidisciplinar para a melhoria da Segurança do Doente,
por outro, acreditamos que os próprios enfermeiros se
encontram sujeitos a EA, devendo esses ser também
notificados.
Acreditamos que o envolvimento dos profissionais de saúde
em programas de adesão à notificação será tanto maior e
mais forte quanto mais próxima for a divulgação e
acessibilidade da plaforma e sensibilização para a sua
utilização. Também o reconhecimento dos benefícios para
Pensar Enfermagem / v.27 n.01 / abril 2023 | 37
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Artigo Original Quantitativo
o doente, o conhecimento dos resultados e medidas
corretivas aplicadas, bem como da evolução e interação com
o sistema de notificação contribuem para esta adesão. Se
entendido como transversal à saúde, numa visão integradora
dos direitos e deveres dos profissionais, estes estarão mais
conscientes e motivados para participar individualmente ou
em grupo.
Uma limitação deste estudo foi a diferença entre a data de
recolha dos dados e a sua disseminação, tendo por base o
facto de resultar de uma Tese de Mestrado. Mesmo assim,
considerou-se importante sumarizar e partilhar o trabalho
elaborado devido às suas claras implicações para a prática de
Enfermagem, benefício para o doente, bem como para a
Qualidade e Segurança na prestação de Cuidados.
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