Introdução
Desde que surge a vida, os cuidados existem: é necessário
“cuidar” da vida para que ela possa permanecer.
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A Enfermagem não se pode desligar no seu foco nem na
sua história das pessoas. Olhando para o passado, pode-se
afirmar que a Enfermagem e o seu desenvolvimento como
arte e ciência está intrincada na atenção da Mulher. Desde
sempre, que a Mulher assume o papel de cuidadora no seio
familiar, promovendo o desenvolvimento harmonioso dos
filhos, garantindo a higiene e a manutenção do
lar/domicílio, auxiliando na recolha de alimentos e na sua
preparação, para nomear algumas. Estas responsabilidades
inseridas no papel da Mulher-Mãe estão presentes até ao dia
de hoje, apesar das significativas mudanças sociais que a
família e a sua representação atualmente apresentam.
Historicamente, a Mulher teve um papel social menos ativo
até ao século XX – O Século das Guerras. Apesar desse
apagamento social, a Mulher não deixou de ser uma pedra
basilar na sociedade ao longo dos séculos, não só pelo seu
crítico desempenho na família – unidade estrutural e
fundamental da sociedade – mas também pelo seu
envolvimento nas causas sociais, solidárias e
misericordiosas.
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Adicionalmente, não se pode negar a relação histórica da
Enfermagem com a religião. No caso de Portugal, o
Cristianismo, com o seu fundamento altruísta e fraternal,
está associado ao cuidado ao próximo. Olhando para as
obras de misericórdia difundidas pelas Igreja Católica,
salienta-se as sete obras de misericórdia corporais (alimentar
os famintos, dar de beber aos quem têm sede, vestir os
despidos, abrigar os sem abrigo, visitar os doentes, visitar os
presos e sepultar os mortos) e as sete obras de misericórdia
espirituais (ensinar os ignorantes, aconselhar os duvidosos,
advertir os pecadores, suportar os erros pacientemente,
perdoar as ofensas, confortar os tristes, rezar pelos vivos e
pelos mortos)
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. Pelo descritivo das obras de misericórdia,
pode-se afirmar que os valores ou princípios fundamentais
da Enfermagem se encontram imiscuídos nestes princípios
religiosos. Esta relação íntima entre a Enfermagem e a
Religião foi exponenciada durante a Idade Média, devido às
epidemias, aos confrontos bélicos e à fome que vieram
agravar as condições sociais e de saúde. Neste sentido, a
religião surgiu como porto de abrigo para a sociedade
medieval, providenciando os cuidados de saúde necessários
através da intervenção das ordens religiosas.
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Apesar deste papel da religião na sociedade, a expressão
desta atenção na maioria dos casos era feita pela Mulher,
envolvida na ação das ordens religiosas da época. Deste
modo, pode-se constatar a tríade Enfermagem – Mulher –
Religião, cujo pináculo assume-se em Florence Nightingale
– a mãe da Enfermagem moderna. No século XIX, durante
a guerra da Crimeia, a falta de condições assistenciais aos
militares levou Nightingale a reformular e restruturar as
condições existentes – higiene e limpeza, alimentação,
ventilação, luminosidade, organização e separação de
circuitos e espaços, entre outras. Este laboratório serviu de
catapulta para o seu contributo nos cuidados de saúde
modernos.
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Esta reflexão surge no seguimento da análise da prática
diária como Enfermeiro, num sentido de melhoria contínua.
Deste modo, compreendendo a história profissional, os
paradigmas da profissão e o posicionamento da
Enfermagem em termos sociais no mundo atual, pode-se
perspetivar possibilidades de caminhos para a profissão.
Com o presente artigo pretende-se refletir sobre a evolução
histórica da Enfermagem em Portugal e perspetivar o futuro
da Enfermagem portuguesa à luz das influências
internacionais. Para o seu desenvolvimento será abordado o
percurso histórico abreviado: de Nightingale ao modelo
biomédico até aos modelos de Enfermagem – implicações
na prática de cuidados de Enfermagem; o Cuidado
Centrado na Pessoa/cliente e a individualização da
intervenção; e a Enfermagem Avançada e a Prática
Avançada de Enfermagem.
Formatado para um cuidado holístico desde o início da
formação, criando um distanciamento do modelo
biomédico, centrado em sinais e sintomas, a prática
profissional pautou-se pela individualização dos cuidados.
Neste sentido e no de desenvolvimento de competências,
tornou-se evidente repensar as práticas profissionais para
avançar os cuidados de Enfermagem prestados na fase de
transição de enfermeiro generalista para enfermeiro
especialista.
Percurso Histórico Abreviado: de Nightingale aos
Modelos de Enfermagem – Implicações na Prática de
Cuidados de Enfermagem
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde
como “não apenas como a ausência de doença, mas como a
situação de perfeito bem-estar físico, mental e social”.
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Esta
definição de saúde de meados do século XX tenta abarcar
mais que o domínio físico da saúde, i.e., a ausência de
doença, de origem na física clássica, mecanicista. Pode-se
considerar que esta visão dualista entre saúde e doença está
na base do modelo biomédico, centrado em sinais e
sintomas – aspetos objetivos, mensuráveis – e no processo
de cura.
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O modelo biomédico guiou a formação em Enfermagem
devido às relações profissional e formativa íntimas entre o
Médico e o Enfermeiro. Segundo o este modelo, os
cuidados de Enfermagem são centrados em rotinas ou
tarefas que deem resposta às necessidades físicas da pessoa
doente. Nesta linha de pensamento, surge a imagem da
Enfermagem como subalterna da Medicina, tendo como
objetivo a cura ou o controlo da doença, sendo o médico o
principal responsável pelos cuidados de saúde.
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Retomando a influência da religião – o Cristianismo – na
Enfermagem, o modelo biomédico veio acrescentar à
Enfermagem os valores do romanticismo e do
pragmatismo. Embebida desde a sua génese em asceticismo,
a Enfermagem sempre teve um foco de doação e dedicação
total ao outro. Com a evolução científica e a consolidação
do modelo biomédico, a subjugação ao médico e a
tecnicidade da profissão tornaram-se também