Introdução
A dor durante o trabalho de parto é uma experiência
individual.1 Na forma como a dor é experienciada pela
parturiente estão incluídos processos fisiológicos e
psicossociais2 que dependem de fatores pré-parto e intra-
parto.3 Destes, destacam-se os físicos, os psicológicos
(medo, ansiedade, confiança), a educação pré-natal, a
paridade, a posição adotada pela mulher, os genéticos e
clínicos, o nível de instrução materna, o nível
socioeconómico e cultural e o modelo assistencial de
cuidados durante o parto (p. ex. presença de pessoa de
referência).4 Apesar da dor durante o trabalho de parto ser
uma condição natural e fisiológica, pode afetar o bem-estar
e a saúde da mulher e do feto, a relação emocional da
mulher com o recém-nascido e as suas perspetivas sobre
nascimentos futuros.5
As guidelines nacionais e internacionais sobre a experiência
de parto positiva ou maternidade respeitada defendem que
o alívio da dor é fundamental na prestação de cuidados de
qualidade. A World Health Organization6 divulga que o
alívio da dor deve ser baseado em evidência científica e
disponibilizado de forma oportuna, de acordo com as
escolhas da mulher, a sua cultura e as suas necessidades.
Neste âmbito realçam-se as estratégias não farmacológicas
de alívio da dor que não implicam o risco de efeitos
adversos das estratégias farmacológicas tais como o
aumento da duração de trabalho de parto e a necessidade
do recurso a partos instrumentados.1,7 Estas estratégias têm
o potencial de reduzir os efeitos secundários da analgesia
epidural, aumentar a taxa de adesão à amamentação,
aumentar a tomada de decisão partilhada e o controlo sobre
o trabalho de parto, facilitar a interação com os
profissionais e, em última análise, aumentar a satisfação da
parturiente e da família.8-9
Das estratégias não farmacológicas para o alívio da dor
durante o parto, destaca-se a realidade virtual (RV) por ser
um método não invasivo, apresentar vários benefícios
(aumento da satisfação e diminuição da dor, da duração do
trabalho de parto e da ansiedade), ser eficaz e de fácil
utilização.4,10-11 Musters et al.12 consideram que se tem
assistido a um aumento da evidência científica de que a RV
é eficaz na diminuição da dor durante o parto, e que a sua
utilização pode contribuir para reduzir o recurso a métodos
farmacológicos de controlo da dor e, concomitantemente
os efeitos secundários associados a estes.
A RV é uma nova tecnologia que utiliza computadores e
outros dispositivos, e que permite à parturiente
experimentar uma sensação de presença num ambiente
imersivo tridimensional e interativo, que contribui para
diminuir a perceção da dor, desviando a atenção do mundo
real.13 Esta abstração e experiência sensorial, também
podem ser utilizadas em simultâneo com outras técnicas o
que constitui uma vantagem que deve ser tida em
consideração.14
A perceção da dor está (em parte) relacionada com a
atenção que é dada aos estímulos dolorosos15 e as técnicas
de distração retiram a atenção de um estímulo nocivo,
exigindo a atenção limitada do utilizador. Apesar da
distração através do visionamento de filmes, da audição de
música e de conversas que não incidam sobre aspetos
clínicos se ter tornado mais comum durante os
procedimentos médicos, os sistemas de RV podem
constituir uma alternativa mais eficaz. A distração pode ser
uma técnica de analgesia muito promissora que pode ser
usada com segurança e eficácia para a redução da dor e do
desconforto durante procedimentos médicos.16 Nos
últimos anos, várias pesquisas têm explorado a eficácia da
distração imersiva em RV na redução da dor relacionada
com diferentes procedimentos médicos e também com o
trabalho de parto.15
Algumas das técnicas de distração mais recentes utilizam
tecnologia audiovisual avançada, que combina estímulos
visuais e auditivos em vídeos bidimensionais ou
tridimensionais. Estas técnicas são designadas sistemas
audiovisuais de RV, sistemas de óculos ou simplesmente
distração áudio visual e não recorrem a estímulos cinéticos.
A RV utiliza equipamentos sofisticados como os monitores
3-D (Head Mounted Displays) colocados na cabeça, que
possuem um grande campo de visão, e sistemas de deteção
de movimento que permitem aos utilizadores interagir com
o ambiente virtual. Existe uma multiplicidade de
características e componentes que pode ser acrescentada ou
retirada do equipamento e que se traduz nos custos
implicados para a sua utilização.17
A utilização da RV como técnica de analgesia oferece
imagens mais imersivas devido aos auscultadores oclusivos
que projetam as imagens mesmo em frente dos olhos do
utilizador e, dependendo do modelo utilizado, bloqueiam
os estímulos do mundo real (visuais, auditivos ou ambos).16
McCaffery e Pasero17 designaram este fenómeno como
blindagem sensorial. Nesta, o utilizador é protegido da dor
pela distração resultante da imersão, que é particularmente
aumentada na RV através da utilização de Head Mounted
Displays que direcionam o foco de atenção para o que está
a acontecer no mundo virtual.16
Na primeira fase do trabalho de parto, a RV reveste-se de
especial interesse devido ao seu carácter não-invasivo, ao
seu contributo para o alívio da dor e à ausência de efeitos
secundários significativos.11
Nos estudos realizados por Baradwan et al.4, Akin et al.1 e
Carus et al.18 foram salientados como benefícios da RV: a
redução da perceção da dor nas parturientes, a diminuição
dos níveis de ansiedade, o aumento da satisfação das
parturientes e conviventes significativos, a ausência de
efeitos adversos e a diminuição do risco de complicações
para o feto e de perturbações pós-parto para a mulher.
Neste âmbito é ainda importante referir o estudo
qualitativo realizado por Wong et al.19, no qual foram
analisadas as perceções das parturientes durante a utilização
da realidade virtual e no qual concluíram que as parturientes
se sentiram mais calmas e relaxadas, com diminuição dos
níveis de ansiedade e mais concentradas na respiração. Este
estudo demonstrou ainda melhorias significativas na
autoeficácia através da utilização da RV.
Os profissionais de saúde, com os seus conhecimentos e
competências, continuam a ser o fator mais importante na
promoção de um trabalho de parto que dê resposta às
expetativas das mulheres20, garantindo um ambiente