Introdução
No século XXI, a tendência para o envelhecimento
populacional é notória, sendo a longevidade uma das
maiores conquistas da humanidade.1 As Nações Unidas2
identificam os idosos como o grupo etário com maior
crescimento nos últimos 72 anos, representando 13,9% da
população global. O mesmo Organismo estima que a
população mundial com 60 anos ou mais deve duplicar até
2050 e mais do que triplicar até 2100, passando de 962
milhões em 2017 para 3,1 mil milhões em 2100. Em
Portugal, o índice de envelhecimento em 2020 situava-se
em 167%, sendo a percentagem de pessoas com mais de 65
anos a quarta mais alta da União Europeia.3
Nesta etapa de vida, as necessidades em saúde sofrem
contínuas modificações decorrentes do processo de
envelhecimento e/ou situações de doença, interferindo ou
podendo interferir na capacidade das pessoas idosas para
cuidarem de si, na sua capacidade de autocuidado, uma
potencialidade que é parte integrante do ser humano.
De acordo com a Teoria de Orem,4 o autocuidado está
associado ao desempenho ou à prática de atividades que os
indivíduos realizam em seu benefício para manter a vida, a
saúde e o bem-estar, ao potencial para se envolverem em
ações que visam cuidar de si, numa estreita relação a
autonomia da pessoa. Tal como a autora refere, no
autocuidado o foco é colocado no poder humano ativado e
evidenciado pela pessoa quando ela investiga, julga, toma
decisões e produz self-care operations.4 A forma como cada
pessoa desenvolve as atividades de autocuidado leva à
existência de níveis distintos de capacidade/défice de
autocuidado e, consequentemente, à capacidade de
desenvolvimento de comportamentos de promoção da
saúde e de um envelhecimento saudável.
Configura-se assim uma problemática que já tem vindo a
ser objeto de estudo em diferentes realidades, com vários
estudos a evidenciarem associações estatisticamente
significativas entre a capacidade de autocuidado,
comportamentos de promoção de Saúde e bem-estar na
pessoa idosa.5,6,7,8 A relevância da dimensão do autocuidado
em contexto de saúde, ganha ainda destaque com o número
crescente de estudos que disponibilizam instrumentos para
avaliação da capacidade de autocuidado em pessoas
idosas,9,10 permitindo objetivar as suas necessidades
associadas à diversidade de eventos que ocorrem ao longo
de todo o curso da vida e não apenas um resultado direto
da idade cronológica,11 e contribuir para que sejam
desenvolvidas intervenções que respondam à
individualidade de vida da pessoa.
Neta linha de pensamento, o mais recente relatório mundial
sobre o envelhecimento e saúde apresenta um enfoque
social para a abordagem desta temática,11 destacando que a
idade avançada não implica dependência e que, embora na
sua maioria as pessoas idosas coexistam com múltiplas
comorbilidades, a diversidade das suas capacidades e
necessidades não é aleatória.
Da mesma forma, a Teoria do Défice do Autocuidado em
Enfermagem de Orem4 identifica fatores condicionantes
básicos que influenciam o autocuidado que transcendem a
idade (sexo, estado de desenvolvimento, padrão de vida,
fatores ambientais, disponibilidade e adequação de
recurso). No entanto, na evidência científica disponível,
identifica-se um número reduzido de estudos que relatam a
influência de variáveis como o género5,12 e a escolaridade.5
Emerge, assim, o interesse na análise das capacidades da
pessoa idosa para tomar conta de si, contribuindo para a
manutenção da sua saúde, identificando de que forma as
variáveis sociodemográficas interferem na capacidade de
autocuidado.
Considerando esta perspetiva, alinhada com a proposta de
recomendar um enfoque no envelhecimento da população
que potencie a transformação dos sistemas de saúde por
forma a substituir os modelos curativos pelos preventivos,
com foco nas necessidades das pessoas idosas,11 emerge
como essencial a identificação das variáveis que interferem
na capacidade de autocuidado das pessoas idosas por forma
a implementar um adequado e eficaz apoio ao
desenvolvimento destas capacidades.
Objetivo
Identificar variáveis que interferem na Capacidade de
Autocuidado de pessoas idosas residentes em contexto
domiciliário.
Métodos
Estudo de natureza não experimental, transversal,
quantitativo de tipo descritivo e correlacional, com parecer
favorável da Comissão de Ética da Administração Regional
de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo
(Proc.086/CES/INV/2018), desenvolvido assegurando as
dimensões éticas e legais subjacentes a estudos desta
natureza. Amostra constituída por 400 pessoas idosas
residentes em contexto domiciliário, recrutadas em centros
de dia (6 contextos) e consultas de enfermagem (6
Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados e 8
Unidades de Saúde Familiar), através de uma amostragem
por conveniência. Os dados foram recolhidos em formato
de papel e o investigador esteve presente ao longo do
processo para assegurar o cumprimento dos critérios de
amostragem, nomeadamente a capacidade cognitiva para
compreensão das questões, consentimento informado e
esclarecimento de linguagem incluída no questionário e/ou
leitura do mesmo, em participantes que não sabiam ler ou
tinham diminuição da acuidade visual. Para determinar a
autoperceção do estado de saúde, a pessoa idosa poderia
responder considerando três níveis: a) Incapaz de cuidar de
si, necessita ajuda outros; b) Capacidade para cuidar de si
apesar da doença e c) Saudável, com capacidade para cuidar
de si.
A avaliação da capacidade de autocuidado concretizou-se
através da aplicação da Exercise of Self-Care Agency – ESCA
de Kearney e Fleischer,13 revista por Riesch e Hauck14 e
traduzida, adaptada culturalmente e validada para a
população portuguesa pelas autoras do presente artigo,
processo durante o qual se desenvolveu um estudo da
fiabilidade através da análise da consistência interna com